CICLO 2020-2021
O QUE É
O Mapa Afetivo de um bairro, cidade ou mesmo rua, extrapola o desenho cartográfico para imprimir, também, as afetividades, memórias, sentimentos e experiências coletivas locais. É uma ferramenta que leva à compreensão dos processos que envolvem a construção da identidade social dos moradores de um determinado lugar.
O PROCESSO
O Mapa Afetivo do Morro das Pedras foi criado para apoiar o Festival Somos Comunidade 2020/2021 e o desenvolvimento de um processo mais participativo com os moradores. Buscou-se um entendimento qualitativo mais aprofundado das pessoas, sonhos, histórias e sentimentos da comunidade e, para isso, foram realizadas entrevistas em profundidade com as pessoas, divididas em três grupos:
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anciões: para registro da história do Morro das Pedras e sua evolução;
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jovens: para compreender os sonhos e a afetividade que constroem, hoje, a futura história da comunidade;
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empreendedores e profissionais da economia criativa: para entender a relação da comunidade com as manifestações artísticas que a compõem e os projetos de vida das pessoas que empreendem no Morro das Pedras.
vozes do morro
"Na favela tem pessoas honestas, tem pessoas trabalhadoras, tem pessoas que têm valores. Apesar do mundo tá contorcendo isso, não mais manter aqueles valores, aqui tem. Então eu contaria a história assim, que aqui no Morro, tem que vim pra cá pra poder ver que aqui ainda tem valores, ainda tem pessoas aqui que sabem passar histórias boas."
Maria Aparecida, vendedora autônoma
"A história do Morro das Pedras eu conto do tempo que não tinha asfalto, não tinha água, a luz era precária, a gente buscava água na cabeça. Via nossa mãe buscando água em uma distância longa na cabeça. Enchendo os tambores porque nem caixa d'água tinha. . Tomando banho não no chuveiro mas na bacia também. Então a história do Morro das Pedras era esta, mas a gente tinha também a parte da alegria, era os bailes nas casas que todos eram convidados. Não tinha restrição... todo mundo podia chegar e participar da festinha."
Sr. Domingos, ancião e sambista
"O Morro das Pedras é tudo de bom. Não tenho nada que reclamar daqui porque há 47 anos eu vivo aqui, nunca tive nada a reclamar. A única coisa que me abateu muito foram as chuvas, né?! De janeiro, como sempre todo ano tem. Mas a não ser isso, tudo tranquilo. Sou muito conhecida, sou muito querida, graças a Deus."
Ita Canuto, dona de restaurante
A história que eu sempre quis contar é que aqui não tem só bandido, não tem só pessoas que vendem drogas... enfim... tem pessoas que são trabalhadoras, têm comércios que tem qualidade. Quando eu tive oportunidade de montar meu negócio eu procurei fazer aqui novamente pra mostrar pro pessoal do morro que eles tem sim, a gente tem o direito de ser bem atendido, a gente tem o direito de ter produto de qualidade... a gente tem direito de ter aqui no Morro uma loja onde você é respeitado, você é querido, você faz parte disso aqui.
Edimilson "Bill", empreendedor
"Hoje em dia eu faço música com a Arautos e tenho um grupo de pagode. Sou uma pessoa que o que precisar pode chamar. Na Arautos, a gente é uma família. Às vezes eu estou lá em casa e o Dodó me liga, e a gente já junta lá. No Congado também é a mesma coisa, a gente junta para ajudar a pessoa vir. Sou aquele tipo de pessoa que “para o que precisar tamo aí”, tento resolver, buscar o sim."
Welbert, estudante
"A minha história é sobre o Congado, fui como princesa aos 7 anos e fui ficando e ajudando a responsável por lá. Depois, aos 18 anos eu passei a ser Rainha da Estrela. Com 25 anos ela já me pôs como a Vice Conga dela. Logo após ela faleceu e eu fiquei no lugar dela como Rainha Conga, no qual eu sou atualmente, antes dela falecer ela me passou toda responsabilidade. Até as chaves de lá. Ai eu tô atuando né?! Com a ajuda de Deus e de todos. Eu tô lá até hoje"
Cleonice "Pituca", cuidadora
"A percussão é uma família. Têm altos e baixos, mas é uma família, porque se estamos precisando de alguma coisa, podemos contar com o pessoal da percussão. Estando felizes ou tristes, podemos contar. Eles te apoiam. Se precisar brigar por você, eles vão brigar, entendeu?"
Rachel, estudante e percussionista
"Meu nome é Alvair Júlio Miranda. Só que no Morro das Pedras eu sou conhecido como O Poeta, né?! O Poeta dos becos e vielas.
Eu nasci no morro. Eu cresci no morro. É aqui que eu morro, morro de amar"
Alvair "O Poeta", agente comunitário de saúde pública e poeta
"eu sou uma criança, um cara, um adulto sonhador, sabe?! Só que eu sou um sonhador diferente, eu não sonho dormindo, eu sonho acordado. Eu levanto todos os dias pra realizar esse sonho. Se eu não passar o dia todo realizando esse sonho e for dormir sem o sentimento, poxa, eu perdi um dia, então… levanto todos os dias para realizar os meus sonhos, correr atrás deles. E também eu vivo muito o sonho dos outros"
Anderson Dodó, empreendedor cultural
Eu quero ser professora, eu quero ser médica, mas o que eu quero ser mais é ser professora de balé, professora das meninas, ensinar elas balé, ir no palco na sapatilha de ponta naquela na pontinha… Aí esse que é o meu sonho, de ser profissional, de ser professora de bailarinas, aí elas crescer igual eu cresci, as meninas que eu for dar aula no balé.
Ingrid, estudante e aluna da Escola de Artes Instituto Unimed-BH
"Eu me apresento como Iago, sou um homem gay, nasci na zona rural. Hoje eu sou favelado, moro na periferia e tenho muito orgulho de ser favelado e trabalho com identidade, memória e território. Minha forma de viver é essa. Acho que quanto mais eu valorizo a vida e eternizo ela, mais eu me identifico comigo mesmo. "
Iago Souto, fundador do História em Construção
" Moro no Morro desde 1987, chegando aqui eu não mexia com arte e cultura, eu era jogador de futebol e quase cheguei ao profissionalismo, e por muitos anos joguei futebol na comunidade. Em 1996 eu fui convidado por alguns jovens que já faziam música na comunidade, para a gente organizar um grupo e pudesse montar alguma coisa sem saber onde iríamos chegar. E ai de lá para cá a gente vem atuando. Eu encerrei minha carreira com 30 anos e de lá para cá tô ligado à arte de cultura com o grupo Arautos do Gueto. "
Inácio, co-fundador do Arautos do Gueto
"Geralmente quem tá de fora acha que é um lugar perigoso. Mas quem convive sabe que não é. Geralmente as pessoas associam muito à marginalidade, envolvem muito umas coisas que nem sempre vem dentro da comunidade mesmo, sabe?! Tem muito tempo que não se fala que alguém matou alguém aqui por causa de briga, de guerra entre comunidades rivais, pontos de droga. Tem muitas pessoas aqui de bem. "
Carine, funcionária de gráfica
O Morro das Pedras é um lugar cheio de ideias fantásticas, aqui, igual eu frisei antes, tem vários profissionais que não são descobertos. Tem gente que faz arte no gesso, tem grafiteiro, tem profissionais da música, pagode, música popular e outros intelectuais na comunidade. Na verdade, o Morro das Pedras não é um Morro, pra mim, aqui é uma cidade… cheia de sonhos, ideais, criatividade. Criatividade, que as pessoas conseguem criar em meio às situações de vida.
Valdir, fundador do "Vidas Importam"
"O Johnny é bem amigo, sou alguém que está de portas abertas para ajudar. Quem me conhece pode saber que se tem certa ajuda que eu posso colaborar, eu colaboro, tanto que hoje um trabalho externo que eu faço não é monetário, mas estou fazendo uma divulgação dos artistas da comunidade com as “lives” que fazemos, dentro de um grupo fechado da comunidade do Morro das Pedras. A gente pega um artista e exibe-o para a própria comunidade assistir."
Johnny - empreendedor
"A Juthay é uma sobrevivente de vários ciclos. Ciclos que não foram tão bons, mas que eu consegui quebrar. O ciclo da miséria. O ciclo da miséria é que deixa o ser humano miserável. Eu quebrei ele e hoje eu sou escritora, sou historiadora. Eu sou uma mulher de muitas faces."
Juthay Nogueira - escritora, historiadora e fundadora da Casa Acolher e projeto Romper
" A fotografia foi a forma que eu achei de registrar todos os momentos. Eu vivia aquele momento e quando eu descobri que eu poderia registrar aquela foto e que eu poderia ver aquela foto cinco anos depois e que ela poderia me trazer aquele momento, eu senti algo que foi tudo para mim. Um dia eu peguei um álbum de fotografia de quando eu era criança na casa dos meus pais e comecei a perceber todos os sentimentos que aquele álbum de fotos foi me trazendo. Eu percebi o poder da fotografia e quis levar isso para mim e para todo mundo. "
Giovania, fotógrafa e trancista
"A intenção aqui da horta é isso… aproveitar aqui o espaço que tem, porque a gente não tem espaço. Todo mundo é agarrado uma casa com a outra. Então o único lugar que tem lazer, que tem árvore, arborizado, é aqui na horta. Então o interesse nosso realmente é reflorestar aqui, pra gente sentir na floresta dentro da cidade. Então por isso a gente faz essa agricultura urbana. Conseguir produzir em meio a selva de pedra, que é o concreto, as casas… essa é a intenção do projeto aqui."
Fabrício, fundador do Morro Verde
" Eu sou educadora social, trabalho aqui na comunidade. Eu trabalho com os jovens e iniciei minha trajetória de trabalho nas creches comunitárias. . As creches antigamente não eram reconhecidas como espaços de educação, mas sim de cuidado com crianças. Não tinha professor, mas monitor ou cuidador. Eu comecei minha trajetória na educação infantil com 18 anos e fui uma das primeiras pessoas a receber o registro na carteira de trabalho como educadora infantil.
Ângela (Pitita), educadora social e coordenadora da ONG É Tudo Nosso
" Eu sou muito ciumento com o Morro, quando eu vou falar dele lá fora, um pouco. Porque tem a visão que todo mundo constrói sobre o que é uma favela. Mas eu apresentaria o Morro das Pedras como quem construiu a cidade de Belo Horizonte. O povo que construiu a cidade de Belo Horizonte está todo aqui, sabe? É um lugar de muita luta, resistência, história, de muita memória."
Jazz Rodrigues, poeta
" Então não tem como você falar que o que eu faço de melhor ou de pior, é minha inspiração. Tem dia que eu gosto de tocar violão, tem dia que eu gosto de tocar banjo, tem dia que eu gosto de pintar, tem outros que eu gosto de fazer escultura, tenho que estar com minha inspiração mesmo. Tudo ligado a arte… e não adianta você combater não, a coisa tem que ser natural. "
Agnaldo Canuto, artista
"O meu sonho é poder, de alguma forma, ser a pessoa que vai sobreviver ajudando pessoas. Não é a toa que eu escolhi a graduação no Serviço Social. Eu quero ser uma assistente social diferenciada, não só aquela que só faz cadastro, que dá o Bolsa Família, mas aquela que orienta, que acompanha, que ajuda as pessoas em todos os âmbitos, as vezes até com uma escuta também. E para isso, um dos maiores sonhos que eu tenho é ter um Centro Cultural aqui no Morro das Pedras. É uma luta!"
Rhanny Mercês, estudante de Serviços Sociais, cabeleireira e militante de direitos humanos pela causa LGBTQIA+
" Eu acho que quem não sonha tem algo errado. Eu sonho muito em conhecer o exterior, em levar o meu trabalho e minha arte para lá. Conhecer outras pessoas, outros povos, outras culturas. Poder dançar pelo mundo, como eu sempre sonhei desde pequenininha. Hoje a realidade é outra, não é com o Ballet Clássico, mas eu ainda tenho esse sonho de conhecer várias cidades e vários países."
Isadora Coelho, produtora cultural, dançarina e fundadora na Cafuá: Casa Fashion de Arte
" As pessoas pensam que o Morro das Pedra é um lugar muito agressivo. Mas eu vejo o Morro das pedras cheio de arte, cultura e inspiração também... E é cheio de amor, esperança e alegria!"
Michael Douglas, aluno da Escola de Artes do Insittuto Unimed-BH
A ETAPA MAPA AFETIVO DO SOMOS COMUNIDADE FOI REALIZADA COM RECURSOS DA LEI MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA DE BELO HORIZONTE.
Projeto Somos Comunidade - Formação, nº 0873/2018, aprovado no Edital 2018/2019 oriundo da Política de Fomento à Cultura Municipal (Lei nº 11.010/2016).